Le Clézio, J. M. G., Diego & Frida (Diego et Frida), Relógio D’Água, Tradução de Manuel Alberto, 1994.
Um elefante e uma pomba.
Frida Kahlo, a jovem sofredora mas decidida, delicada, resolvida a trepar árvores para gritar o seu amor incondicional por Diego.
E Diego de Rivera, o experiente homem do mundo, ogre de mulheres, coleccionador itinerante de rostos e corpos, gigante corpulento que arrebata o olhar perscrutador e rígido de Frida.
Antes de começar verdadeiramente a história de vida de Diego & Frida, deparamo-nos com um Diego ávido de aventura e da descoberta dos locais “sagrados” observados e percorridos pelos seus mestres de sempre. Parte para Paris onde se deslumbra com o ambiente de fervilhante revolução artística, conhece e priva com os grandes obreiros dessa reforma criativa, vive, pinta, ama e perde o seu único filho na buliçosa e gélida cidade onde pululam ideias e génios mas não o conforto que poderia ter salvo a criança cujo fim o deixará eternamente ferido e com uma triste aversão pela cidade da escuridão.
O regresso ao México traz-lhe um projecto de frescos no anfiteatro de uma escola, ideais políticos que espera representar na sua pintura e uma nova mulher, Lupe Marín.
Aliás, o compromisso de Diego de Rivera com a pintura é de cariz interventivo e nunca cessará de o ser mesmo quando põe um ponto final na sua filiação no partido comunista. Diego é livre, é um selvagem na medida em que não suporta que imponham restrições ao seu livre pensamento, à sua liberdade artística, não aprecia os limites, as barreiras. Para ele tudo é possível, a sua confiança ilimitada e vive de acordo com essa crença linear e segura em si próprio.
Já o compromisso de Diego de Rivera com as mulheres da sua vida, não terá sido tão imaculado…
Quando uma adolescente curiosa se aproxima do local onde Diego pinta os frescos da Preparatoria, Lupe Marín sente a incomodidade na pele. Aquele encontro que não chega a ser encontro, será o primeiro de uma vida de encontros e desencontros entre Frida Kahlo e Diego de Rivera. Entre a pomba e o elefante.
Algum tempo depois desse primeiro impacto de vida, Frida sofre um acidente que lhe transforma o corpo, a alma, a vida para sempre. Um impacto de morte. Tinha um destino a cumprir, uma missão, mesmo que tal significasse ficar encarcerada num corpo mutilado e presa a uma forma de vida que não desejava mas que abraça com coragem. Tem de aprender a viver todos os dias com a dor física. Porque Diego a espera. Porque toda a vida esperou por Diego.
É o confronto de Frida com Frida, ferida de morte, sobrevive através de Diego, da pintura que é o cordão umbilical que a liga ao mundo exterior, a Diego, ao filho que tanto desejara e não conseguira conceber. A dor. Dor de alma por se olhar ao espelho e tudo lhe parecer bem e as entranhas, no entanto, a despedaçarem por dentro.
Frida una não existe, Frida é diferente e outra em cada auto-retrato pintado, em cada cenário que cria em cada vivência que abraça.
E também Diego se auto recria em vários momentos, qual Fénix renascida após a aventura americana em que deixa a marca dos ideais comunistas nas grandes metrópoles americanas, provocando a ira dos magnatas do núcleo capitalista mundial.
É a provocação maior a que poderia almejar e no regresso ao México é herói público, aclamado pelo povo e Frida a seu lado uma heroína privada, saudada pelo seu sofrimento.
Um livro que vai para além da mera biografia, J. M. G. Le Clézio interpreta, investiga, cruza informação e decifra o que Frida e Diego escreveram sobre a sua vida em comum e os seus tormentos privados, romanceia uma história que atravessou a História e fez História.