domingo, julho 08, 2007

"Jaime Bunda, Agente Secreto" de Pepetela

Um agente secreto estagiário que não levantava a bunda volumosa de uma cadeira a um canto das instalações dos serviços secretos angolanos há dois anos, encostado a esse nada fazer por imposição de Chiquinho Vieira que o aceitara por não ter alternativa (perante a insistência do Director Operacional, primo de Jaime Bunda), eis o herói, ou melhor, o anti-herói desta tragicomédia que desvela o que de mais contundentemente negativo se encontra naquela Luanda ficcional que se confunde, obviamente, com a Luanda real.
Jaime é-nos descrito como um desajeitado jovem cuja proeminente bunda se apresenta como a sua mais saliente característica. Menosprezado pelos colegas do “Bunker” [nome atribuído a esta temida agência secreta angolana na qual Jaime Bunda se (des)integrava], dedicava-se exclusivamente a observar os passantes do seu campo de visão e a tirar ilações (sempre baseadas nos seus “profundos” conhecimentos da ficção policial, sobretudo de origem americana) sobre o muito que decorria em seu redor. Perante esta malograda rotina, ninguém esperaria que Jaime fosse chamado pelo chefe Chiquinho para que o intrigante caso da violação e assassinato de Catarina Kiela fosse por ele resolvido.
O agora agente secreto no terreno segue as pistas possíveis provenientes de testemunhos vagos e usufrui de um novo estatuto nunca antes experimentado mediante o qual se nos torna claro que a ingenuidade (mas não pureza) da personagem só o poderia conduzir a deslindar um crime por mero acaso… e é o que sucede, embora não resolva o mistério para o qual havia sido incumbido, mas um outro que, entretanto esbarra no seu caminho. Jaime Bunda inicia a investigação de um dado crime e acaba resolvendo um outro de que ninguém sequer suspeitava. Este herói acidental vê-se confrontado com uma rede de falsificação de kwanzas que tende a prosperar graças à colaboração de um alto funcionário do próprio “Bunker”, um intocável que é o alvo inicial das investigações de Jaime a propósito do assassinato da menina de catorze anos e que se revela ser um protegido do Director absoluto do “Bunker”, Ser nunca avistado por quem quer que fosse, habitante de desconhecidas catacumbas que, garantiam, lhe haviam aclarado a cor da pele pela ausência de luz natural.
A revelação de que a sociedade angolana se reveste de contornos obscuros mas por demais claros, surge-nos com um sentido de humor que torna a obra não tanto de cariz denunciatório, repousando mais a sua natureza na informação sempre com um toque de ironia. E tanto assim é que o final do livro coincide com a resolução de Gégé, irmão mais novo de Bunda, em ser jornalista, prometendo nada esconder do povo e tudo denunciar em favor do povo. Jaime, por seu lado, lastimosamente reconhece que nunca poderá progredir na carreira tendo um irmão contestatário público e profissional.
Termina o livro com esta esperança e promessa de que a verdade acabará algum dia por prevalecer, após o triunfo total da dissimulação a que assistimos ao longo da obra, senão vejamos: O assassino de Catarina, filho de um poderoso, acabaria ilibado, e a quadrilha dos kwanzas, oficialmente constituída apenas por estrangeiros e angolanos de menor importância fora desmantelada com o alto funcionário dos serviços secretos e principal responsável do crime a congratular os agentes que resolveram o caso de que ele fora mentor.