domingo, outubro 26, 2008

"O Segredo da Casa de Riverton" de Kate Morton

Morton, Kate, O Segredo da Casa de Riverton (The Shifting Fog), Porto Editora, Tradução de Vítor Guerreiro, 2008.

“O Segredo da Casa de Riverton” é o romance de estreia de Kate Morton, autora australiana que não esconde o fascínio pelos anos que precedem a 1ª Guerra Mundial e pelos que imediatamente lhe sucedem.

E é neste contexto temporal, no seio da Inglaterra nobiliárquica, tendo como cenário principal a velha mansão rural da família Hartford, a Casa de Riverton, que as histórias que compõem esta obra se desdobram.

Uma realizadora americana interessada em contar a história do suicídio do poeta R. S. Hunter ocorrido em Riverton em 1924, procura Grace, a única serviçal que prestara serviço na antiga casa ainda viva.
O reencontro de Grace com memórias e segredos da família Hartford e muito particularmente, a sua compreensão da proximidade com Hannah, uma das filhas do Sr. Frederick, filho de Lord Ashbury, o Senhor da Casa de Riverton, provocam um turbilhão de emoções na mulher prestes a completar o século de existência e já entregue aos cuidados de um lar.

Recordar a sua chegada a Riverton com 14 anos, o seu primeiro contacto com os 3 filhos do Sr. Frederick, a cumplicidade estabelecida sobretudo com Hannah apesar da rigidez existente no que respeitava à conduta dos criados, as perdas humanas que advieram da 1ª. Guerra Mundial, os sonhos perdidos das crianças Hartford, tudo é relembrado por Grace com a nitidez de quem esteve sempre presente, com a clareza de quem partilhou segredos com quem vivia na parte superior da Casa.

O facto de Grace ter acesso aos segredos maiores da família (incluindo o próprio segredo da sua existência) que acompanhou ao longo de mais de 20 anos, tornam-na a principal fonte de informação para a realizadora, sobretudo no que dizia respeito aos hábitos e ao ambiente da Casa de Riverton na época em que o famoso poeta R. S. Hunter se suicidara junto ao lago quando decorria uma festa na propriedade. E nós leitores tomamos conhecimento das confissões mais íntimas de Grace, temos acesso aos seus pensamentos nunca verbalizados, segredos que prometera nunca partilhar.

Na fatídica noite da morte de Hunter, Hannah entrega um medalhão com uma chave no seu interior, uma chave que abria um cofre.

Grace é a guardiã do (s) segredo (s) da Casa de Riverton. Incluso o segredo da sua transgressão.

domingo, outubro 19, 2008

"A Queda da Casa de Usher" de Edgar Allan Poe

Poe, Edgar Allan, A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of Usher), Edições Quasi, Tradução de Vasco Gato, 2008.

Este pequeno livro é composto por três contos de Edgar Allan Poe representativos do legado sui generis deixado pelo autor americano natural de Boston – “A Queda da Casa de Usher”, “Uma Descida ao Maelström” e “O Homem da Multidão”.
No primeiro conto – “A Queda da Casa de Usher” – o leitor é arrastado, tal como o próprio narrador, para um ambiente de reclusão bafienta e loucura inquietante personificados pela fantasmagórica Casa dos Usher e pelos seus habitantes, os derradeiros herdeiros de um nome antigo e condenado ao desaparecimento precoce a que a doença, irremediavelmente, o parece sentenciar. O isolamento dos dois irmãos Usher, Roderick e Madeline, é quebrado apenas pelo aparecimento do narrador, amigo de longa data do primeiro, chamado pelo enfermo para o serenar com a sua companhia no momento particularmente opressivo que vivia. A razão abandonara Roderick e quando Madeline sucumbe à doença que a atormentava, o estado já irreversível da sua incapacidade mental, avança rumo à loucura declarada, a um total apartamento do mundo circundante. A permanência durante vários dias do corpo da irmã Usher nas masmorras da Casa, cria na mente perturbada do irmão o que pareciam ser delírios e alucinações auditivas que, no entanto, são partilhadas, pelo menos a um nível subconsciente, pelo narrador que assiste à queda do mal enraizado e simbolizado pela Casa de Usher e pelos seus últimos descendentes.

Em “Uma Descida ao Maelström” um visitante é conduzido numa viagem às memórias de um pescador norueguês, único sobrevivente de um fenómeno sobrenatural que implicava a descida a uma espécie de submundo sem retorno. O pescador relata o dia em que se fizera ao mar com os irmãos e foi surpreendido pelo prodígio conhecido de todos os homens do mar da região, um vórtice surgido do nada que sugara o seu barco para as entranhas sem fim do inexplicável turbilhão. Vivia de contar a fantástica história a quem não o conhecia porque os seus conterrâneos, apesar de serem testemunhas do seu envelhecido regresso, não acreditavam na assombrosa narrativa.

No terceiro e último conto – “O Homem da Multidão” – acompanhamos o voyeurismo de um narrador que a partir da janela de uma casa vislumbra a buliçosa vivência exterior, adivinhando nas feições e características dos sujeitos que desfilam à sua frente, toda uma existência. Perde-se a seguir com o olhar os interessantes “tipos” que constituem a “fauna” londrina de meados do Século XIX mas apenas desperta verdadeiramente quando se depara com uma figura em particular, “o semblante de um velho decrépito” que se destacava da multidão pela expressão indecifrável que possuía, próximo de uma “encarnação pictórica do demo”. Tal é a sua curiosidade que sai de casa e decide segui-lo pelas ruas e vielas que percorre, desesperado por interpretar aquela existência.

Os três contos de Poe de que é composto este livro, guiam-nos a mundos fora deste mundo, mundos esses visíveis ao olhar dos crédulos, mundos de horror. O confronto do improvável com a realidade cria a rejeição e a vida por detrás do vidro que limita as realidades paralelas é, não raro, acossada pelo temor de que o impossível por vezes também acontece.

domingo, outubro 12, 2008

"Alexandre - A Corte da Morte" de Paul Doherty

Doherty, Paul, Alexandre – A Corte da Morte (Alexander The Great, The Death of a God), Saída de Emergência, Tradução de Maria do Carmo Romão, 2005.

O jovem Capitão-General da Grécia perscruta a oportunidade para invadir o Império Persa liderado por Dario III. A ocasião mais propícia para abandonar o acampamento e marchar rumo à suprema glória tão almejada por Alexandre, ser-lhe-ia ditada pelos deuses através de sacrifícios reveladores e pelo seu instinto infalível e perspicácia que o elevavam sempre à condição de Grande aos olhos dos soldados e seguidores mais próximos.

Paul Doherty situa-nos num contexto de guerra iminente mas apresentando-nos a perspectiva macedónia, o horizonte persa e o quadro dos povos esmagados por Alexandre unidos agora aos persas, a única civilização capaz de vergar a força intrépida do conquistador macedónio.

À parte a questão maior da possibilidade de um recontro entre o poderio militar persa e a perspicácia macedónia, assistimos a um conjunto de assassinatos no seio da força macedónia sendo chamado para os desvendar Telamon, o médico amigo de Alexandre dos tempos de Mieza em que Aristóteles era seu mestre. Antes de partir para o acampamento é convocado por Olímpia, a terrível mãe de Alexandre, a “Rainha Bruxa” e regente na ausência do filho, obcecado que estava em ir até à beira do mundo.
O diálogo entre ambos é de grande interesse e suficiente para apreendemos as personalidades díspares que se confrontam nos momentos em que decorre a audiência. Telamon tem medo de Olímpia, no entanto, faz-se valer da sua moral impoluta e de uma intelectualidade surpreendente (Citando com frequência os grandes autores gregos em resposta às investidas de Olímpia) para demonstrar a segurança possível face às ameaças veladas da mãe de Alexandre.
Telamon é intocável. Num baú deixado por Alexandre consta uma lista dos que, na sua ausência, não deverão ser atacados. Alexandre não se esquece dos amigos de outrora.

Os crimes cometidos no acampamento macedónio são relacionados com a presença de um espião ao serviço de Dario III que todos sabem existir mas cuja identidade é um mistério até para os próprios persas.
Alexandre confessa a Telamon que a sua confiança nele é ilimitada deixando implícito que o séquito que o rodeia e que participa activamente nas suas inúmeras festas não é de sua inteira confiança. E Telamon experimenta a desconfiança dos mais próximos do Capitão-General, pondo em causa as suas próprias capacidades como médico.

Alexandre, o Grande é um menino perdido na terra do nunca que tenta evitar ser engolido pelas forças externas que o encurralam sendo que estas forças externas partem muitas vezes de sectores próximos de si.
A sua vivência é intensa e o seu carácter apesar de firme, não é completamente equilibrado, parecendo marcado, por um lado, pela necessidade de superação de um pai ambíguo, e por outro pela necessidade de equiparação ao semi-deus Aquiles que Olímpia afirma ser seu antepassado.
Assim, quando visita Tróia e se apresenta como seu salvador, as armas de Aquiles parecem ser a sua única preocupação e experimentá-las o seu único objectivo. Alexandre busca o contágio, a transmissão de um poder divino que só um homem pleno, guerreiro absoluto e amigo fiel como Aquiles poderia comunicar. Encarna a sucessão em pleno.

Telamon vê-se inicialmente como um refém de Olímpia, contudo, com o decorrer do tempo perto de Alexandre compreende que o ímpeto do Rei e falta de aconselhamento sério, tornam a sua presença pertinente e Olímpia, à sua maneira vil e desajustada, procurava apenas um protector atento para o filho.

A forma como Paul Doherty aborda as intrigas, o modo de vida, tanto em campanha militar como nos palácios onde o poder político comanda, os rituais gregos ante as eventualidades da vida, a traição, a forma de tratamento dos escravos, demonstra conhecimentos sólidos da época em causa tornando a obra claramente recomendável.

domingo, outubro 05, 2008

"Um Mundo sem Fim - Volume I" de Ken Follett

Follett, Ken, Um Mundo sem Fim (World Without End), Editorial Presença, Tradução de Alice Rocha, 2008.

Depois de ter lido algumas críticas elogiosas a “Os Pilares da Terra”, senti uma natural curiosidade em conhecer a obra de Ken Follett e comecei por este recém-publicado “Um Mundo sem Fim”, o primeiro volume de uma história que começa em Inglaterra, mais propriamente na próspera cidade de Kingsbridge, na primeira metade do século XIV tendo como principais intervenientes um grupo de homens e mulheres que, quando crianças, presenciaram a perseguição de um grupo de homens a um cavaleiro e morte que este acabara por infligir aos seus atacantes. Gwenda, Caris, Merthin e Ralph são os heróis e vilão (por esta ordem) dos acontecimentos que anos mais tarde marcariam os destinos das quatro personagens e de Kingsbridge.

Seguimos as maquinações do clero local sempre em busca do poder impossível, atropelando a moralidade apregoada pelos Santos da Igreja sobretudo porque a ambição desmedida de um certo Godwin inviabiliza a redenção de todas as almas errantes porque incompreendidas e possibilita a subida aos céus dos que compõem o seu séquito de tratantes.

Deparamo-nos com a rebeldia de quem se recusa a aceitar o fim inevitável reservado a todas as mulheres na idade média europeia, contrariando essa fatalidade com intervenções de relevo na sua cidade num momento de crise comercial com um contributo de apresentação de soluções palpáveis quando a feira do velo parecia condenada ao desaparecimento e negando casar-se com o homem que amava porque urgia declinar o que toda a comunidade esperava dela.

Acompanhamos o amor incondicional de uma mulher por um homem noivo de outra e a força quase sobre-humana com que sobrevive a atrocidades perpetradas contra a sua pessoa.

Vemos um aprendiz de artesão suplantar o seu mestre, encontrar explicação para as anomalias nas estruturas da cidade e com as suas ideias pioneiras solucionar uma das piores adversidades com que Kingsbridge se deparara: A queda da ponte que permitia o acesso dos comerciantes à muito concorrida feira do velo.

Assistimos à ascensão meteórica de um escudeiro ao serviço do Conde Roland à categoria de Senhor de Wigleigh onde exerce o seu poder de forma brutal, maldosa e autoritária.

Confesso que a obra, à semelhança do que já foi escrito por Djamb em Folhas de Papel, não impele o leitor à aquisição do II Volume, não só porque os erros de impressão são imensos, mas também porque o autor parece não ter descoberto a forma ideal de contar esta história, parecendo perder-se na descrição dos costumes e práticas da época em detrimento da sólida construção de uma narrativa. Sublinho que Ken Follett não me maravilhou com esta história, restando-me aguardar pela obra que contrarie esta opinião menos positiva.