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domingo, setembro 14, 2008

"Expiação" de Ian McEwan

McEwan, Ian, Expiação (Atonement), Gradiva, Tradução de Maria do Carmo Figueira, 2008.

O dia da revelação do amor entre Cecília e Robbie coincide com o dia de perda de inocência de Briony. Assistimos a essa libertação repentina do mundo de bonecas e peças de teatro infantis em que vivia, a esse “crescimento” súbito da criança dotada que Briony dava mostras de ser e, estarrecidos, compreendemos que um último resquício da imaginação fértil da criança ainda reside na jovem, domina-a como se da última travessura pueril se tratasse.

Um simples acontecimento visto aos olhos distantes de Briony e aos olhos próximos de Robbie, assume proporções diferentes e é interpretado de formas distintas por ambos.
Cecília mergulha na fonte. A imagem da irmã encharcada, semi-nua em frente a Robbie, denota uma fragilidade inexistente mas que para Briony, se torna motivo suficiente para intimamente olhar para Robbie como uma ameaça à delicadeza da irmã e ela, Briony, como adulta responsável, sente como seu dever proteger a irmã do olhar demasiado perscrutador de Robbie.
Robbie encarava Cecília desconcertado. Era uma figura familiar e estranha em simultâneo saída da água, que entrara na água com intrepidez, com a determinação corajosa de mostrar que nada a perturbava. E frente a ele, com a pouca roupa colada ao corpo, revelando-se ao homem que já amava e não sabia com a consciência dos despertos, deixando-o estático e balbuciante junto à recordação mais palpável que dela ficara, uma poça da água que jorrara do seu corpo.

Após este episódio, Robbie toma a decisão de se prostrar aos pés de Cecília: escreve duas versões de uma mesma carta, uma reveladora mas bem comportada, formal até, na qual declarava o seu amor a Cecília, e uma outra com o mesmo conteúdo de confidência mas demasiado explícita em que figurava a descrição do seu desejo e a sua vontade em consumá-lo.

Demasiado inquieto com a descoberta do amor, Robbie engana-se na versão que entrega a Briony para dar a Cecília.

A naturalidade do desejo de cariz sexual entre dois adultos que se amam, aos olhos de Briony é a exteriorização do carácter duvidoso e mesmo perigoso de Robbie. A irmã tem de ser protegida a todo o custo da influência perniciosa do tarado em que Robbie se convertera em poucas horas.
A mudança em Briony espelha-se na forma como ela vê os outros. Julga ser sua obrigação zelar pela harmonia em perigo que pensa detectar nos desequilíbrios que vislumbra.

Ao receber a carta, Cecília compreende, por um lado, a sua cegueira face ao que sentia por Robbie, por outro lado, que Briony lera a carta. E pressente o profundo efeito que o teor da mensagem comportava para si, porque nada seria como dantes ao ter acordado para a realidade do amor, como para a mente especulativa de Briony que não se deteria na mera leitura inocente de uma carta que não lhe era dirigida.

Briony acusa Robbie do crime cometido naquela noite. Afirma tê-lo visto. Vira sim, as sombras difusas dos acontecimentos a que assistira nesse dia, os vultos do que pensara ter lido correctamente e transpusera-os para a gravidade de uma acusação que perseguiria as três personagens para o resto da vida.

Briony Tallis vive uma vida inteira a tentar expiar o seu crime, o pior que se possa imaginar: Ter sido a responsável pelo afastamento irremediável de duas pessoas que se amavam.

E escreve um livro com um final feliz.