domingo, janeiro 25, 2009

"Titus - O Herdeiro de Gormenghast" de Mervyn Peake

Peake, Mervyn, Titus - O Herdeiro de Gormenghast (Titus Groan), Saída de Emergência, Tradução de José Manuel Lopes, 2007.

No mundo incrível a que Mervyn Peake deu o nome de Gormenghast, o leitor vislumbra uma terra com algumas menções espaciais que não identifica à luz da sua realidade e as referências temporais limitam-se à passagem de dias, meses ou anos, não sendo possível reter os acontecimentos numa redoma temporal que reconheçamos como nossa.

Tudo se estrutura de forma invertida, numa confusão premeditada de personagens fantásticas com funções assombrosas e aparência admirável.
Titus Groan é filho da Condessa e do Conde Sepulchrave, o último de uma linhagem antiga e poderosa dentro dos muros do castelo, submissa aos rituais imemoriais que haviam tornado a Casa de Groan um bastião de obediência a essas cerimónias por vezes sem sentido que Sourdust primeiro e o filho Barquentine depois se asseguravam de garantir sem que percebamos jamais o seu propósito. Os protocolos poeirentos de Gormenghast desgastavam Sepulchrave mas eram cumpridos sem qualquer objecção ocupando-lhe grande parte do dia até que, por fim, se deleitava junto da única companhia que lhe proporcionava verdadeira satisfação: os seus livros.

Titus nasce e a Condessa pede à Ama Slagg para a criança lhe ser imediatamente retirada e apenas o voltar a ver quando tiver completado seis anos, mais importância parece dar aos inúmeros pássaros e gatos que a rodeiam e com os quais comunica. Mesmo Lorde Sepulchrave não denota interesse pelo filho senão pelo facto de ser o herdeiro de Gormenghast e em consequência guardião dos rituais sem sentido que tornavam Gormenghast um reino desolado de trevas e escadas tortuosas que desembocavam invariavelmente num outro compartimento de Gormenghast. Um labirinto do qual não parece ser possível escapar.

Apenas Fuchsia, a filha mais velha de Lorde Sepulchrave e da Condessa, se aventura em locais onde o verde da natureza ou o azul do céu se lhe insinuam como que a desafiando a transpor barreiras, convenções e preconceitos com que se via rodeada no castelo.
É como se o mundo no castelo se apresentasse a preto e branco e a verdadeira vida estivesse para lá dessas muralhas. Até conhecer Steerpike. Um jovem ambicioso que é encontrado por Fuchsia ferido numa sala por si dominada. Steerpike foge da cozinha e do seu terrível Chefe Swelter e ilumina e torna colorida com os seus embustes a monótona vida do castelo. Steerpike fascina Fuchsia sem que esta o admita ou até o depreenda conscientemente. Entra no seu espaço secreto e deixa o odor da sua presença de liberdade no coração de Fuchsia, compreende-a, lê o seu coração como ninguém. Fuchsia será a única pessoa de quem Steerpike se aproxima desinteressadamente.

A escrita de Mervyn Peake é uma escrita repleta de cores e movimentos, acções e expressões, uma escrita eminentemente plástica, digna de uma adaptação de Tim Burton… O filtro gótico que Peake empresta a esta obra melancólica, cheia de um sentimento de perda comum a todas as personagens, o contraste entre os vestidos roxos das irmãs loucas de Sepulchrave e o vestido vermelho de Fuchsia e ainda o ambiente de ódio entre o decrépito Flay e o obeso Swelter que culmina com um combate até à morte, para além de todos os improváveis de que o livro é incrustado, tornam-na indispensável.

domingo, janeiro 11, 2009

"O Carteiro de Pablo Neruda" de Antonio Skármeta

Skármeta, Antonio, O Carteiro de Pablo Neruda (El Cartero de Neruda), Biblioteca Sábado, Tradução de José Colaço Barreiros, 2008.

Desde que vi a transposição para o grande ecrã de “O Carteiro de Pablo Neruda” dirigido por Michael Radford que queria ler a obra de Antonio Skármeta na qual o filme se baseou. Criei grandes expectativas em relação a esta leitura porque a história contada no cinema era muito simples mas repleta de uma aura poética e humana que muito admirei e aplaudi.

Contudo, a riqueza das personagens no filme de Radford (quem não se recorda da magnífica interpretação de Massimo Troisi como Mario, o carteiro de Neruda?) esbate-se no suporte inicial e desilude pela simplicidade sem magia que patenteia.
Falta-lhe a genuinidade e pureza das vozes que deram corpo à história de um carteiro que entregava cartas à única pessoa que as recebia naquele mundo do fim do mundo, Pablo Neruda, estabelecendo-se uma relação de cumplicidade e mesmo amizade entre dois homens fruto de gerações diferentes mas feitos da mesma matéria sensível.

Em contraste com a política de aldeia que se desenrolava na ilha, palco menor mas ainda assim revelador de tendências nacionais, surgia a grande política na qual Neruda era actor principal no proscénio do destino do Chile.
É evidente que para além das questões políticas que muito ocupavam Neruda, Mario trazia-lhe sempre com o correio as suas francas interrogações sobre poesia e o amor por Beatriz, questões que assumiam proporções salientes na vida do carteiro de Neruda e nas quais envolveu o poeta.

Era um mundo de coisas simples, de pessoas que sonhavam a vida e o pequeno mundo que habitavam sem complicações e a convivência de Neruda com as pequenas dificuldades que Mario encontra para conquistar as poucas coisas a que poderia aspirar, servem de inspiração ao poeta que descobre no jovem carteiro essa sensibilidade tão difícil de percepcionar, de presenciar.

Não existe uma correspondência de qualidade entre livro e filme e por muito que quisesse, não consigo deixar de efectuar esta associação, ainda para mais tratando-se de um filme que tanto aprecio. Ocorre-me dizer que Antonio Skármeta desenvolve com alguma pobreza uma bela ideia e Michael Radford transforma um livro vulgar numa obra cinematográfica, para mim, inesquecível.

De notar, contudo, que a espaços assistimos a momentos de prosa poética que não posso deixar de valorizar e destacar conforme poderão confirmar na barra lateral esquerda na rubrica “Excertos” onde reproduzo um dos mais belos instantes lidos da presente obra.

sábado, janeiro 03, 2009

"A Guerra dos Tronos" de George R. R. Martin

Martin, George R. R., A Guerra dos Tronos (A Game of Thrones), Saída de Emergência, Tradução de Jorge Candeias, 2007.

A incursão no género literário em que “A Guerra dos Tronos” se encaixa, atribuo-a às várias críticas entusiastas lidas nos meus poisos literários habituais. Foi, assim, com alguma naturalidade que fui generosamente instigada a ler a actual obra, livro primeiro da saga denominada “As Crónicas de Gelo e Fogo”.

Esta fantasia por alguns dada como próxima daquela criada por Tolkien, parece-me claramente diversa.
É certo que estamos numa Idade Média imaginária e é igualmente certo que as personagens são marcantes, fortes nos seus propósitos e atitudes. Contudo, o mundo de fantasia de Tolkien vai um pouco mais além, é mais ousado na medida em que para além da panóplia de personagens humanas, são introduzidos seres com características físicas ou espirituais não humanas como duendes, fadas, elfos ou feiticeiros. George R. R. Martin, e reporto-me apenas ao primeiro volume de uma obra vasta, simplifica o universo apresentado dispondo apenas tipos humanos na história até agora contada.

Existe, no entanto, uma insinuação de ameaça quase sobrenatural para lá do mundo conhecido, para lá da Muralha de Gelo que separa os espaços em que as personagens apresentadas neste primeiro livro se movimentam e essa outra extensão de terra de onde parecem emergir sinais inquietantes que nos deixam em suspenso para o volume seguinte.

A história é simples e contada sem grandes artifícios estilísticos, mas o dinamismo que o autor empresta ao narrador na forma como nos transmite as venturas e desventuras dos Stark, dos Lannister e dos Targaryen, incute no leitor o desejo de mergulhar nas águas profundas das tramas em que estas três casas nobres estão implicadas.

A literatura fantástica é o género literário que menos explorei até ao presente momento, mas depois desta experiência de grande interesse e da oferta neste Natal do segundo volume de “As Crónicas de Gelo e Fogo” – A Muralha de Gelo” – será, como é óbvio, uma experiência a repetir.