
Numa fase já adiantada da sua vida, Brando decide-se pela escrita destas despretensiosas “memórias” coadjuvado por Robert Lindsey. A estratégia, o plano organizacional da narrativa resume-se a um desnudamento da pessoa Marlon Brando perante o leitor, resultando desta aparente falta de estrutura um conto intimista, uma quase conversa entre amigos, uma confissão de algo que nunca se ocultou, mas que de igual forma não se propagandeou.
Brando assume-se como um actor acidental. Depois de expulso da academia militar, ruma a Nova Iorque e inicia uma carreira que, segundo o mesmo, teve para si um significado meramente prático, ou seja, representava para ganhar dinheiro e, com o passar dos anos e com o incremento da sua reputação como actor, era uma forma de, trabalhando pouco e em curtos espaços de tempo, ganhar muito dinheiro. Projectos houve que o interessaram e reconhecia talento em alguns dos realizadores e actores com quem trabalhou, no entanto, o mundo do cinema em si e a futilidade que essa Hollywood de então transluzia, depressa o fizeram despertar para o que realmente interessava. Não se deixou cegar pelos reflexos dourados da vida esplendorosa que lhe era oferecida e, em contrapartida, voltou-se para o combate de causas que o afectavam particularmente.
Assim, pouco depois de chegar a Nova Iorque, despertou para a condição dos judeus. A II Guerra Mundial terminara com a chacina dos judeus europeus e Brando reconhece no exemplo desse povo sem terra, a coragem e a inteligência cultural que detecta nos judeus Nova Iorquinos, seus mestres na compreensão de todo um universo cultural que lhe era totalmente desconhecido.
A tomada de consciência que se seguiu foi direccionada para a situação vivenciada pelos negros americanos. O antigo rapazinho proveniente do Nebraska agora feito homem, desempenhou um papel activo na defesa dos direitos cívicos dos negros mas compreendeu que, apesar de solidário com a sua causa, “Havia limites para a empatia; era-me impossível vestir a pele de um negro. Estava determinado a juntar-me à sua batalha, mas era um estranho e sê-lo-ia sempre.” simplesmente porque “a minha vida fora protegida enquanto pessoa de raça branca”.
Por último, dedicou-se à defesa dos direitos dos índios nativos americanos que, na sua óptica, fora um dos povos mais espoliados e negligenciados na História da Humanidade e cuja condição actual (à semelhança dos negros) não estava resolvida. É pungente a apologia que Brando faz dos nativos americanos, vítimas de um genocídio, de um ardil que tinha como único fim a sua extinção, sobreviveram cerca de 240 mil dos 7 a 18 milhões que existiam quando Colombo chegou ao novo mundo.
Um homem de causas, de gostos simples, mas que apesar da aparente normalidade, nunca se conseguiu libertar em absoluto de uma infância traumática resultante do alcoolismo dos pais. Apenas nos últimos anos da sua vida conseguiu viver sem consultas psiquiátricas, repousando na tranquilidade meditativa da sua paradisíaca ilha do Pacífico.