
Estaríamos talvez na 2ª.Classe quando a Senhora Professora Marília nos começou a falar de Miguel Torga. Dizia-nos que também ele provinha de Trás-os-Montes como ela e certo dia, pegou num livrinho que tinha entre mãos e leu-nos um conto de nome “Natal”. Ouvir aquela história tão bem escrita por Torga e tão bem contada pela minha Professora, deixou uma marca que nunca se apagou em mim. Terá sido o meu primeiro despertar consciente para o mundo da literatura. Passaram-se anos e já no Liceu, através de uma Professora de Português também única e insubstituível, chegaram-me ecos desse autor que tão boas recordações me trazia. E ler por mim o conto “Natal” foi uma experiência comovente, no fundo, a menina curiosa que, sentada na sua carteira de madeira ouvia atenta e reverentemente a sua Professora, estava dentro de mim mas a assumir posição activa na leitura.
Hoje trago-vos Miguel Torga mas através de “O Senhor Ventura”, um belíssimo conto realista que, forçosamente, aguça a nossa noção de Portugalidade. Embora a personagem Senhor Ventura seja quase um cidadão do mundo pela constante necessidade de mudança que experimenta (é um viajante inveterado que calcorreia e se fixa em terras tão remotas como a China), não deixa de retornar ao ponto de origem, o seu Alentejo dourado ao qual volta munido de mais um sonho (mais um entre os muitos que o acompanharam) e no qual acaba por morrer.
Ele é Português e sê-lo e assumi-lo em qualquer parte do mundo, apesar da adversidade, dos amores falhados, da irreparável perda de um amigo, é algo que jorra da obra e nos contamina com a mensagem de que a fuga às origens é sempre temporária, nunca definitiva.
3 comentários:
Como o Torga "brasileiro"... Esse conto Natal é lindíssimo e tenho os Contos/Novos Contos da montanha como dos melhores livros de contos que ja li.
Não podia concordar mais... Até o contrabando praticado nas nossas fronteiras era focado de uma forma muito bela (nunca se sabia se aquela mulher atravessava a fronteira grávida ou atafulhada de produtos de contrabando - no conto "Fronteira").
Abraço:)
Carla
Recordo-me perfeitamente. O conto que mais me marcou até hoje é o da missa do galo (ou consoada, não recordo), em que a pobre passou a noite na capela, o único abrigo nessa noite de Dezembro.
abraço
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