Hans Singer, eminente matemático alemão, é acolhido no Hospital psiquiátrico de uma pequena cidade alemã após mais um colapso mental. Responsável por trabalhos sobre o Infinito e mentor da Teoria dos Conjuntos, Singer é invadido pelas palavras duras e ressonantes de uma carta que o pai lhe enviara aquando do seu décimo sexto aniversário e que ecoam quase em permanência no seu frágil juízo como uma maldição, um presságio negro que o perseguisse nos momentos mais críticos: “Quantas vezes os indivíduos mais prometedores são vencidos por uma pequeníssima dificuldade ao praticarem o seu ofício. Então, desanimados, atrofiam-se completamente e, mesmo na melhor das hipóteses, não serão mais do que «génios arruinados» ”.
E é assim que Singer se vê. Como um génio em declínio, preterido, menosprezado.
Matthias Dutour, soldado francês vindo da frente de combate e antigo maquinista de caminhos-de-ferro, é internado devido a um agudo estado de stress pós-traumático motivado pelas barbaridades de guerra a que assistira e que o haviam transformado num Ser abstraído, alheado, afastado de si próprio, da sua História de vida, do mundo em ruínas que o circundava. A indiferença dominava-o.
É encaminhado para o quarto 14. Herr Hans Singer já habitava o compartimento.
E assim começa uma amizade improvável entre dois homens de proveniências sociais e culturais díspares.
Para todos os efeitos, Matthias era um desertor. Salvara um soldado alemão de morte certa e a recompensa fora o cuidado com que o “inimigo” o tratara levando-o para o mundo distante e campestre do sanatório, longe das minas e das bombas e dos mortos. Matthias não reagia a qualquer estímulo verbal, a qualquer contacto humano e Hans Singer falava com o soldado francês em francês num monólogo incessante que o matemático tentava converter em diálogo lançando inocentes provocações ao espírito angustiado de Matthias Dutour.
O maquinista começou a reagir aos incentivos de Singer, aos desafios constantes que este lhe lançava, à sua paciência em tentá-lo ao regresso ao universo dos seres pensantes e falantes, ao cosmos da expressão. Matthias inspirava-lhe uma ternura inexplicável, talvez porque irradiasse uma luz imensa com os seus cabelos amarelos como o sol, uma esperança de recuperação da sua própria sanidade mental. Revelou-se o amigo mais perene e sincero que Herr Singer jamais tivera, o aluno mais brilhante e atento às suas soluções matemáticas e filosóficas, o companheiro mais compreensivo e indulgente que percorrera aquela etapa da sua vida lado a lado, como um camarada de guerra que não se abandona.
Matthias era curioso, inteligente, detentor de um espírito vivaz e surpreendente e o mestre expunha teorias e discorria sobre a sua vida, as suas vitórias e derrotas, as crises que frustraram a sua elevação ao nível dos ilustres matemáticos do seu tempo. E o aluno abria o livro da sua vida em Paris, desde a vivência sã e feliz com os pais adoptivos, até à paixão pelos caminhos-de-ferro nascida graças à oferta do livro “A Besta Humana” de Zola por parte da mãe, analfabeta mas ciente da importância do saber, e à sede de conhecimento (mais do que sede de revolução) que o levara a frequentar a Universidade Popular.
A temática da amizade inabalável entre dois homens mesmo que celebrada num espaço-limite em que a fronteira entre sanidade e loucura desfoca um possível enquadramento linear, torna esta obra uma janela para as infinitas probabilidades da vida mesmo quando tecida de improváveis.
O improvável é sempre provável.
E é assim que Singer se vê. Como um génio em declínio, preterido, menosprezado.
Matthias Dutour, soldado francês vindo da frente de combate e antigo maquinista de caminhos-de-ferro, é internado devido a um agudo estado de stress pós-traumático motivado pelas barbaridades de guerra a que assistira e que o haviam transformado num Ser abstraído, alheado, afastado de si próprio, da sua História de vida, do mundo em ruínas que o circundava. A indiferença dominava-o.
É encaminhado para o quarto 14. Herr Hans Singer já habitava o compartimento.
E assim começa uma amizade improvável entre dois homens de proveniências sociais e culturais díspares.
Para todos os efeitos, Matthias era um desertor. Salvara um soldado alemão de morte certa e a recompensa fora o cuidado com que o “inimigo” o tratara levando-o para o mundo distante e campestre do sanatório, longe das minas e das bombas e dos mortos. Matthias não reagia a qualquer estímulo verbal, a qualquer contacto humano e Hans Singer falava com o soldado francês em francês num monólogo incessante que o matemático tentava converter em diálogo lançando inocentes provocações ao espírito angustiado de Matthias Dutour.
O maquinista começou a reagir aos incentivos de Singer, aos desafios constantes que este lhe lançava, à sua paciência em tentá-lo ao regresso ao universo dos seres pensantes e falantes, ao cosmos da expressão. Matthias inspirava-lhe uma ternura inexplicável, talvez porque irradiasse uma luz imensa com os seus cabelos amarelos como o sol, uma esperança de recuperação da sua própria sanidade mental. Revelou-se o amigo mais perene e sincero que Herr Singer jamais tivera, o aluno mais brilhante e atento às suas soluções matemáticas e filosóficas, o companheiro mais compreensivo e indulgente que percorrera aquela etapa da sua vida lado a lado, como um camarada de guerra que não se abandona.
Matthias era curioso, inteligente, detentor de um espírito vivaz e surpreendente e o mestre expunha teorias e discorria sobre a sua vida, as suas vitórias e derrotas, as crises que frustraram a sua elevação ao nível dos ilustres matemáticos do seu tempo. E o aluno abria o livro da sua vida em Paris, desde a vivência sã e feliz com os pais adoptivos, até à paixão pelos caminhos-de-ferro nascida graças à oferta do livro “A Besta Humana” de Zola por parte da mãe, analfabeta mas ciente da importância do saber, e à sede de conhecimento (mais do que sede de revolução) que o levara a frequentar a Universidade Popular.
A temática da amizade inabalável entre dois homens mesmo que celebrada num espaço-limite em que a fronteira entre sanidade e loucura desfoca um possível enquadramento linear, torna esta obra uma janela para as infinitas probabilidades da vida mesmo quando tecida de improváveis.
O improvável é sempre provável.
6 comentários:
Hum... Interessante...
Essa amizade é fascinante. E as personagens não podiam ser melhores, quase que desligadas da sociedade e apenas ligadas às suas mentes e à sua forma de pensar.
Adorei as personagens, que me fazem querer ler o livro! Uma amizade tão improvável só pode sair de um livro "completo".
É verdade Pedro, uma das grandes forças deste livro são, inquestionavelmente, as personagens e a relação que nasce entre elas... É um livro imperdível, muitíssimo bem escrito e que envolve o leitor num universo de perturbação e em simultâneo de extrema lucidez.
É a tal fronteira quase imperceptível entre sanidade e loucura que tantos pensadores inspirou e que Denis Guedj aborda de forma brilhante:)
Tens razão, é um livro completo, pleno... Uma grande obra!
Olá, Carla! :)
Vim espreitar as tuas sugestões sempre óptimas e interessantes. :)
Este último livro que referes,não o li, mas já tinha reparado nele e pareceu-me de escolher.
A tua análise ainda me seduziu mais.
Obrigada!
Beijinhos!
Olá Ana! É um daqueles livros próximos, muito próximos da perfeição e por isso mesmo imprescindível:)
Beijinhos:)
Acabei de ler e curiosamente, entre o que me fascinou, além das analogias entre a matemática e conduzir locomotivas, ou todos os infinitos que temos e trazemos, é a ambivalência lúcida - de planear fuga-em-passeio, por exemplo - e a fragilidade dos nossos espíritos humanos, próximo, tão próximo, pode espreitar a instabilidade. Ah, e a capacidade de se respeitar o Outro...
:)
Agradeço-lhe muito o comentário próprio de quem leu e soube assimilar a essência do livro com argúcia... Muito obrigada:)
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