O levantamento histórico e cultural efectuado por Robert Muchembled na criação do seu “Uma História do Diabo – Séculos XII a XX”, não abrange todas as perspectivas possíveis a respeito do tema, não o esgota num despejar fácil de informação; e, supomos, qualquer autor que se proponha tratar questões tão vastas como aquela que Muchembled trata, deverá, de uma forma ou de outra, acabar por cair na tentação de empobrecer o estudo com informação excessiva. O autor em análise não o faz. Pelo contrário, seleccionou as influências “diabólicas” que lhe pareceram mais prementes, o alcance dos tentáculos do “Anjo Caído”, sendo o resultado final de um rigor organizativo, interesse e exactidão histórica, social e cultural vivaz.
Os pormenores irrelevantes ou de importância menor não têm lugar neste “Uma História do Diabo”. O autor fixa o seu percurso de escrita em harmonia com o percurso evolutivo da figura estudada, o Diabo, com seus avanços e recuos, em concordância com os próprios avanços e recuos da sociedade de cada tempo e lugar que o acolhia, ora como mero símbolo, ora como executor real de uma vontade sobrenatural para além daquela protagonizada por Deus. Um fio condutor, no entanto, percorre toda a obra, uniformizando-a em torno de uma ideia: a de que, curiosamente, a crença em poderes demoníacos provenientes tanto do próprio Diabo como dos seus sequazes, sempre terá estado mais arreigadamente instalada no seio das chamadas classes superiores e em menor escala ao nível das classes mais baixas.
O Diabo como instrumento de controlo e poder da Igreja, como forma de manter fiéis e eliminar de modo legítimo os que se rebelavam contra os senhores terrenos, supostos representantes do poder celestial na terra, tornou-se, enfim, uma arma poderosa ao serviço dos interesses de uma Igreja fragilizada ante a emergência dos “monstros” que ela própria criara, os evadidos da gaiola dourada do catolicismo da época, os denominados hereges. O medo era inteligentemente instigado através da simples noção de “Diferença”, sendo que o incentivo à prática do mal, tal como o entendemos hoje (por exemplo através da denúncia, um acto profundamente pio à época) era uma promessa velada (ou não…) de salvação de penas eternas. Livrar-se do mal pelo mal – era a prática comum daqueles tenebrosos tempos.
Satanás resiste na sociedade europeia por meio de uma série de arquétipos literários com grande peso cultural, contudo, a crença num Ser ou Seres sobrenaturais vocacionados para a prática do mal, não encontra raízes profundas nesta Europa progressista e mais crente na prática do bem do que propriamente no contrário. O contraponto europeu, segundo o autor, é o exemplo americano com as suas práticas e crenças conservadoras em que parece sobressair o conceito de povo escolhido por Deus, destinado que estará em derrotar o mal… Acontecimentos recentes revelam a ressurgência de práticas satânicas ou com pretensões à reaparição de um qualquer mal, colocando à boca de cena a figura suprema do mal mesmo que de modo indirecto. Na Europa o fenómeno sucede de forma diametralmente oposta com o recuo, o esbatimento da influência (seja em que sentido for) do Príncipe das Trevas.
Robert Muchembled guia-nos, como Virgílio guia Dante aos vários círculos do inferno, pela História da Humanidade na qual situa a figura do Diabo como motor de regressões e progressões nas sociedades europeia e americana ao longo dos séculos.
Os pormenores irrelevantes ou de importância menor não têm lugar neste “Uma História do Diabo”. O autor fixa o seu percurso de escrita em harmonia com o percurso evolutivo da figura estudada, o Diabo, com seus avanços e recuos, em concordância com os próprios avanços e recuos da sociedade de cada tempo e lugar que o acolhia, ora como mero símbolo, ora como executor real de uma vontade sobrenatural para além daquela protagonizada por Deus. Um fio condutor, no entanto, percorre toda a obra, uniformizando-a em torno de uma ideia: a de que, curiosamente, a crença em poderes demoníacos provenientes tanto do próprio Diabo como dos seus sequazes, sempre terá estado mais arreigadamente instalada no seio das chamadas classes superiores e em menor escala ao nível das classes mais baixas.
O Diabo como instrumento de controlo e poder da Igreja, como forma de manter fiéis e eliminar de modo legítimo os que se rebelavam contra os senhores terrenos, supostos representantes do poder celestial na terra, tornou-se, enfim, uma arma poderosa ao serviço dos interesses de uma Igreja fragilizada ante a emergência dos “monstros” que ela própria criara, os evadidos da gaiola dourada do catolicismo da época, os denominados hereges. O medo era inteligentemente instigado através da simples noção de “Diferença”, sendo que o incentivo à prática do mal, tal como o entendemos hoje (por exemplo através da denúncia, um acto profundamente pio à época) era uma promessa velada (ou não…) de salvação de penas eternas. Livrar-se do mal pelo mal – era a prática comum daqueles tenebrosos tempos.
Satanás resiste na sociedade europeia por meio de uma série de arquétipos literários com grande peso cultural, contudo, a crença num Ser ou Seres sobrenaturais vocacionados para a prática do mal, não encontra raízes profundas nesta Europa progressista e mais crente na prática do bem do que propriamente no contrário. O contraponto europeu, segundo o autor, é o exemplo americano com as suas práticas e crenças conservadoras em que parece sobressair o conceito de povo escolhido por Deus, destinado que estará em derrotar o mal… Acontecimentos recentes revelam a ressurgência de práticas satânicas ou com pretensões à reaparição de um qualquer mal, colocando à boca de cena a figura suprema do mal mesmo que de modo indirecto. Na Europa o fenómeno sucede de forma diametralmente oposta com o recuo, o esbatimento da influência (seja em que sentido for) do Príncipe das Trevas.
Robert Muchembled guia-nos, como Virgílio guia Dante aos vários círculos do inferno, pela História da Humanidade na qual situa a figura do Diabo como motor de regressões e progressões nas sociedades europeia e americana ao longo dos séculos.
2 comentários:
Ora, aqui está uma belíssima sugestão de leitura! Obrigada, Carla! Parece bom e o tema é daqueles que nunca deixa de suscitar curiosidade. Este não conhecia mas tenho um outro que também recomendo, sobre a mesma temática: "O Diabo: origem e evolução histórica" de Georges Minois. Curiosamente, também é da Terramar.
Beijinhos amigos e continuação de boa semana! :)
É um estudo muito dinâmico, escrito com o nítido intuito de entusiasmar por alguém entusiamado pelo tema:)
E o autor consegue contagiar-nos com o interesse deste vastíssimo tema... terminas o livro e apetece-te continuar a investigação, é sempre bom sinal quando isso sucede:)
Ao espreitar o catálogo da Terramar, vi aquele que tens do Georges Minois que também deve ser óptimo.
Tem um bom resto de semana e beijinhos amigos!!!!
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