domingo, fevereiro 03, 2008

“Akhenaton, o Rei Herege” de Naguib Mahfouz

Mahfouz, Naguib, Akhenaton, o Rei Herege (Al-A’ish Fi-L-Haqiqa), O Quinto Selo Edições, Tradução de Adel A. Jabbar Mohammed Daroga, 2007.

Miriamon visita, na companhia de seu pai, a decrépita cidade de Akhetaton, fundada pelo Faraó que se atrevera a desafiar a tradição milenar politeísta implementada no Egipto, Akhenaton. A visão de abandono que a ainda recentemente esplendorosa urbe agora transmite, impressiona vivamente o jovem Miriamon, sobretudo porque algures nos escombros da antiga glória ao deus único, edificada pelo que ficou conhecido como O Herege, vive uma mulher atormentada pela solidão num palácio dourado de recordações dolorosas, prisioneira da nova ordem egípcia protagonizada pelos tutores de Tutankhamon e cativa do seu próprio desespero privado. Ela é Nefertiri e Miriamon busca a verdade da sua História conjunta com Akhenaton através de 14 audiências a que temos pleno acesso com as figuras que mais próximas foram do Rei sendo que, a última das conversas é tida com Nefertiri.
Akhenaton é descrito por todos os entrevistados como uma figura fisicamente débil, disforme até, e este é um ponto em relação ao qual todas as opiniões convergem. No entanto, os seus detractores vão mais longe e “transformam-no” num monstro indigno de segurar o ceptro dos faraós, ora porque não acorre ao harém herdado de seu pai, Amenhotep III, gerando rumores de uma estranha relação além maternal com sua mãe, a rainha Tiy, ora porque adoptara uma prática religiosa diversa da dos seus antepassados, fazendo emergir a figura enigmática do deus único, defensor da paz, do amor, da não punição, da tolerância.
Dir-se-ia que o ponto de viragem na vida de Akhenaton foi a morte do seu irmão Tutmés. A partir do momento em que se apercebeu da inevitabilidade da morte, Akhenaton começa a crer na possibilidade de, praticando o bem, amando o próximo, perdoando o incauto, torná-la uma miragem distante, porque um individuo ou um povo que seguissem os ensinamentos que o Herege ouvira do seu deus numa noite de revelação, tornar-se-ia imortal. Muito depois da partida dos nossos corpos, converter-nos-íamos numa brisa de sussurros, quiçá reveladora para um outro ser com sede de verdade como Akhenaton na noite em que viu a luz.
Nefertiri é retratada por alguns dos intervenientes do périplo realizado por Miriamon como uma oportunista que fingira crer no deus único do Rei para criar um falso laço de ligação profunda entre ambos. A verdade que nos conta na primeira pessoa, contudo, é indicadora de uma inexplicável mas real crença na crença de Akhenaton, de um desejo de conhecimento e aproximação do ainda herdeiro do trono na altura, de um casamento inicialmente de atracção espiritual e com o decorrer do tempo, metamorfoseado em Amor absoluto. As palavras finais são de Nefertiri, Miriamon termina o seu percurso de descoberta no local em que o iniciara, em Akhetaton, o túmulo em que permanecia emparedada viva a rainha pela qual o Rei Herege abdicara do harém porque, segundo o próprio, era monogâmico nas relações como na religião.
Fica-me a imagem de um Rei desafiador porque perturbado pela ideia da morte de um irmão muito querido, mas também corajoso porque manteve o seu ideal quando todos o abandonaram. E morreu só, só o seu deus velou por si.

5 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Um prémio Nobel...Se ler este livro será já o terceiro. Adorei "Aas noites das mile uma noites" crítica à tirania de uma sociedde onde impera a falocracia de um regime tirânico. De um outro prisma o mesmo tema em "Festas de Casamento", onde se trata dea investigação de um crime passional no teatro no regime do malogrado presidente Sadatt...


Beijo

CSD

Carla Gomes disse...

Esta foi a minha primeira abordagem ao autor, espero que se sigam muitas outras, vou reter estas duas que aqui me deixa...

Obrigado:)

Anónimo disse...

mensagem do tradutor: em breve sairá um novo livro do mesmo autor! bjs e abraços!

Carla Gomes disse...

Caro Adel, obrigado pela indicação que aqui deixou, estarei atenta:)
Abraço

Anónimo disse...

Já esta disponivel:

Beco dos Milagres

http://editoracontraponto.blogspot.com/

Cumprimentos