Obra redigida na fase madura do escritor alemão, As Afinidades Electivas é, a seu modo, uma tragédia sobre a impraticabilidade do amor que condena os amantes ao desencontro por razões morais, sociais e... cósmicas. O sucessivo adiamento da vivência amorosa é imposto pela conjuntura tirânica que no início do século XIX preside à mentalidade eminentemente aristocrática defensora do casamento entre classes, mas acima de tudo apologista da instituição do matrimónio como sagrada (embora esta posição seja trabalhada pelo autor por forma a colocar em evidência a hipocrisia característica do apregoado mas não praticado). Por isso a manifestação de um desejo de união só (!!!) porque se ama, é acidamente rejeitado como uma espécie de sacrilégio. Não mencionei o vocábulo “tragédia” em vão... com efeito, o elemento trágico interfere de forma definitiva e paira na atmosfera, por vezes aparentemente idílica do romance, desde o seu início com claros sinais premonitórios de acontecimentos dúbios a vir. Goethe escreve, então, uma tragédia sob a forma de romance o que não deixa de ser curioso tendo em consideração a admiração do autor pela tragédia grega, sendo que ele próprio elaborou por exemplo uma Ifigénia em Táurida tida como uma das incontornáveis tragédias da literatura alemã. Uma convivência a quatro converte-se rapidamente não na destruição de um lar como seria de esperar, mas na transição (nunca atingida na sua totalidade) do que se julgava querer para o que indubitavelmente se quer. A tragédia reside na circunstância de que o encontro destas almas gémeas não é durável porque lhes é vedado o acesso à concretização do amor. Um silêncio cúmplice está subjacente à estranha aceitação do adultério debaixo do tecto outrora partilhado por um casal que pensava ser feliz. A “troca” é quase natural até que o mundo exterior se dá conta do perigo que ronda aquela casa e os amantes se afastam, momento a partir do qual se inicia o caminho descendente a percorrer pelas personagens e exposto na segunda parte do livro. Uma estranha força que me ocorre apenas designar de “cósmica” apaga a esperança no triunfo do amor, daí talvez o final místico da obra que mais não é do que, provavelmente, a vitória de uma outra forma de amor... e afinal, o amor não morre com as pessoas. E que mais não é este “regresso” de Ottilie do que uma espécie de deus ex machina típico da tragédia grega?
"Quando Portugal Ardeu - Histórias e segredos da violência Política no
pós-25 de Abril" de Miguel Carvalho (Oficina do Livro)
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Já li e comentei vários livros do Miguel Carvalho neste blogue - *Dentada
em Orelha de Cão* (Campo das Letras), *Aqui na Terra* (Deriva), *Lúcio
Feteira: ...
Há 6 meses
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