domingo, janeiro 06, 2008

"Império à Deriva - A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821" de Patrick Wilcken

Wilcken, Patrick, Império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821 (Empire adrift – The Portuguese Court in Rio de Janeiro 1808-1821), Civilização Editora, Tradução de António Costa, 2005.

Só após a leitura de “Império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821” de Patrick Wilcken, é que tive a noção da quantidade de informação da maior importância sobre este período da História de Portugal que me era desconhecida.
Foi uma época de muitos perigos, de muitas ameaças externas e internas, de inúmeras intrigas em torno de um regente indeciso, facilmente impressionável que, na sequência de uma intensa urdidura inglesa, cede à ideia da necessidade de partida da família real para a colónia Brasil.
A fuga da família real implicou a fuga conjunta de toda a máquina nobiliárquica, política, servil e administrativa, e um consequente vazio transversal a todos os sectores que compunham a Metrópole.
Vários meses no mar e incontáveis privações passados, a andrajosa comitiva real, aporta ao Rio de Janeiro, mostrando-se, enfim, aos seus súbditos da longínqua Colónia na sua forma mais humana.
Estes europeus recém-chegados deparam-se com um Brasil cujo “tropicalismo” se patenteava em todas as camadas da população e em todos os costumes existentes, tornando o choque civilizacional recíproco. A chegada da Corte produziu alterações imediatas na vida oficial e quotidiana do Rio com a introdução de costumes até então desconhecidos da colónia, mas também na vida que a família real e toda a corte portuguesa conhecera em Lisboa e que, com a mudança de cenário, cessara de existir. A simplicidade, apanágio, do estilo de vida da colónia, converteu-se numa adaptação forçada ao luxo a que a família real se habituara em Portugal.
Acompanhamos o processo de integração mútua entre uma corte demasiadamente dependente de rituais já ultrapassados em outras cortes europeias e uma população diversificada de uma colónia até então distante e naquele momento convertida em Centro do Império.
A par dos acontecimentos caracterizadores da sociedade brasileira de então, o autor retrata o estado de um Portugal à mercê de ingleses e franceses através dos contornos de uma disputa que atingiria o seu auge com a entrada das tropas napoleónicas por três vezes em território português. Os prejuízos sociais, económicos e políticos resultantes deste período único e terrível a um tempo na História de Portugal, são minuciosa e habilmente analisados por Patrik Wilcken.
Para além da figura D. João, Regente e depois Rei com a morte de D. Maria, a Rainha louca, sobressai a amarga e pérfida figura de D. Carlota Joaquina, princesa e depois Rainha. O seu carácter inatamente conspirativo busca sempre, por todos os meios, encontrar a independência vedada às mulheres. D. Carlota comprazia-se em desafiar o instituído por exemplo quando montava a cavalo como os homens ou quando mantinha um séquito de amantes suficiente para se crer que alguns dos seus nove filhos não possuíam proveniência régia. No entanto, era suficientemente ortodoxa no que respeitava ao cumprimento de formalidades ultrapassadas que não deixavam de impressionar a população estrangeira com que se cruzava. A mulher de Junot descreve-a como um exemplo de fealdade feminina, mas é sobretudo o seu carácter desconcertante de alguém que trai o Rei e marido tanto a nível pessoal como político que sobressai e marca esta mulher que aprendera a odiar quando chegara à corte portuguesa com 10 anos vinda de Espanha.
Um relato imprescindível, claro e magnificamente escrito de Patrick Wilken, daquele que é um dos mais significativos pontos de viragem da nossa História.

9 comentários:

Miguel Garcia disse...

Olá!
Ainda que goste de história, prefiro consumir atravès da TV (Canal História), e sou mais adepto do Sec XX.
É curioso ver um estrangeiro, e bem estrangeiro, a fazer estudos sobre a nossa História(e do Brazil), terá pelo menos uma grande vantagem, deve ser imparcial, como se quer numa narração de factos veridicos.

Há um grande defeito, a meu ver, na forma como a História é ensinada nas escolas, é tudo transformado em miniatura, seria algo: Lá vai o barquinho com o Rei para o Brazil, enquanto Napoleão invade Portugal..

Abraço!

Ana Paula Sena disse...

Olá, Carla! Mais uma excelente referência a que vou estar atenta. Gosto imenso de História e faz-nos falta cada vez mais aprofundar conhecimentos nessa área. Do passado até ao presente, não há outra forma de perspectivar o futuro!
Beijinhos :)

Carla Gomes disse...

Miguel: Sim, tens razão, regra geral a História é ensinada não com a profundidade que alguns desejariam, mas também compreendo a falta de tempo com que os professores se confrontam... Eu tinha uma vaga noção de este período ter sido aflorado com muita brevidade e tratou-se de uma excelente oportunidade de aprofundar conhecimentos; para mim, a vantagem dos livros em relação à TV é precisamente o facto de a informação não ser tão "básica", ou seja, num programa de 1 hora serão tocados apenas os aspectos principais de um determinado tema histórico, num livro de 300 páginas não se abordará com certeza tudo, mas adquires uma bagagem razoável, enquanto na TV é tudo demasiado "fast-learning"...
Abraço:)

Carla Gomes disse...

Ana: Encontro na História a razão de tantos acontecimentos e circunstâncias presentes... sempre foi um fascínio o estudo da História:) E em ano de efeméride dos 200 anos da partida de Lisboa e chegada ao Rio da Corte Portuguesa, pareceu-me o momento certo não só para aprender, como também para divulgar este pedaço ainda obscuro da nossa História.

Beijinhos:)

Célia disse...

Eu sou uma apaixonada por história, mas infelizmente as minhas leituras não têm ido muito nesse sentido. Mas apesar disso, dá-me muito prazer ler sobre a nossa história e descortinar os ecos dos actos passados e das características da personalidade dos portugueses nos dias que hoje enfrentamos. Que não haja dúvida que a nossa forma de estar cá dentro e lá fora é uma herança de longa data.
Fiquei positivamente impressionada com a tua opinião e parece-me bem que se nos próximos tempos decidir investir em algo do género, vou optar por este livro :)

Beijos

Carla Gomes disse...

Ir ao encontro da nossa História é tentar perceber o que se passa com este país e com esta gente que o (des)compõe... Ultimamente, mais que nunca, tenho sentido essa necessidade, não é apenas avidez, fome de conhecimento, é incompreensão, perplexidade... Enfim, pasmo ante o pântano! E eu que até sou tão optimista...
Quanto ao livro, é mesmo muito bom, é lido quase como um romance, mas com a exactidão científica de quem pretende ser fiel ao acontecido.
Obrigado pela visita:)

Beijos

Nuno Castelo-Branco disse...

Rio de Janeiro, capital de Portugal

"Ele foi o único soberano da Europa que teve a firmeza e a sabedoria de fazer precisamente o que devia", disse James Ligham, acerca da decisão do príncipe Regente de retirar a Corte para o Brasil.
***

Desde meados do século XVI, o Brasil surgia como uma terra da promissão, um horizonte infinito para uma expansão, que mitigada na Europa pelas contingências geográficas, políticas e demográficas, levava o reino português a procurar no além-mar, novas fronteiras propiciadoras pela aventura dos Descobrimentos. Martim Afonso de Sousa, o grande impulsionador da ampliação do domínio e da colonização lusa nas terras de Vera Cruz, foi talvez, o primeiro a vislumbrar as imensas possibilidades oferecidas pelo novel domínio, aconselhando D. João III à simples e efectiva transferência da sede da Monarquia, para a recém descoberta colónia.

Após Alcácer Quibir e reconhecendo implicitamente a primazia legal dos direitos de D. Catarina, duquesa de Bragança, à sucessão do trono, Filipe II de Espanha, parece ter considerado seriamente a entrega do domínio americano à Casa de Bragança, em troca da efectiva posse do território português na península ibérica. A Restauração de 1640, ocorreu num momento difícil de total despojamento material da nação, levando o Pde. António Vieira a preconizar a opção brasileira, garantindo a criação de um verdadeiro império, dada a extensão territorial das conquistas, a ausência de inimigos directos nas fronteiras e uma privilegiada situação no Atlântico, o novo grande palco do confronto naval pela supremacia entre as grandes potências. D. Luís da Cunha, foi outro entusiasta desta solução, procedendo a uma copiosa e exuberante enumeração das vantagens decorrentes, garantindo uma nova dimensão ao poderio português, libertado desta forma, das peias que uma situação geográfica difícil e a ausência de recursos, ditava um paulatino e inelutável declínio de Portugal como factor relevante na Europa.

No século XVIII, a instabilidade no precário equilíbrio europeu, fez eclodir guerras nas quais todo o continente se envolveu de forma directa - Guerras da Sucessão da Espanha e da Áustria e intervenção dos Bourbon espanhóis na Itália, para nos referirmos apenas aos principais conflitos -, que inevitavelmente perturbaram a já tradicional política portuguesa de não envolvimento nos conflitos continentais. Se excluirmos uma breve e quase simbólica participação da Armada portuguesa (1717) na guerra Liga cristã contra o Império Otomano, Portugal manteve-se coerentemente ausente dos campos de batalha europeus, durante mais de cinco décadas.

A indirecta intervenção na Guerra dos Sete Anos, deveu-se sobretudo, a uma tentativa bourbónica de neutralizar o importante ponto de apoio da Royal Navy na península, essencial para o controle da navegação atlântica e colonial. Considerando seriamente as hipóteses decorrentes de uma invasão das tropas do Pacto de Família, Pombal ponderou a transferência da corte e do governo - a Soberania -, para o vice-reino do Brasil, a fonte dos recursos que permitiam a existência do próprio Estado português.

A Revolução Francesa de 1789 e a posterior ascensão de Bonaparte, destruiram a velha ordem estabelecida ao longo de séculos. Preceitos, doutrinas, convenções e modus operandi universalmente aceites pela velha diplomacia europeia, volatilizaram-se diante dos disparos da artilharia, ou jazeram para sempre esmagados pelas cargas dos couraceiros franceses que arrasaram tronos, pisotearam Estados antigos e fizeram movimentar massas populacionais de uma forma jamais vista. É hoje difícil imaginarmos o espanto e a tragédia vivida por milhões, que assistiram impotentes, ao desabar de um mundo que para a imensa maioria, era o fruto de uma ordem natural ou divina.

As sucessivas tentativas da manutenção da neutralidade, encontraram no alvorecer de 1800, uma real impossibilidade de concretização. O génio militar de Napoleão e a violência dos seus ímpetos, fizeram dissipar qualquer veleidade de estabelecimento de alianças consistentes no continente, susceptíveis de permitir, pelo menos, a contenção de um expansionismo que não conhecia limites e nem sequer garantia uma razoável moderação, no sentido da criação de uma nova ordem negociada e aceite pelo conjunto dos Estados.

Os ministros portugueses - entre os quais destacamos Domingos de Sousa Coutinho, Rodrigo de Sousa Coutinho e o marquês de Alorna -, instaram com o Regente no sentido de fazer pender Portugal, para a fidelidade à já antiga aliança com a Grã-Bretanha. Conhecendo bem a dependência portuguesa do comércio além-mar e a supremacia inglesa - hegemónica após Trafalgar (1805) - nos mares, consideravam qualquer aproximação de facto à política continental napoleónica, como pressuposto para a imediata perda das possessões ultramarinas. Os ingleses não tardariam muito em proceder à ocupação ou anexação da Madeira, Açores, Goa e Macau. Eram bem conhecidas as ambições expansionistas na América do Sul que surgia como um perfeito sucedâneo das ainda recentemente perdidas Treze Colónias norte-americanas. Em "A Decadência do Ocidente", Oswald Spengler sublinha o projecto de Hobbes, que visava a conquista inglesa de todo o continente, como condição de uma efectiva hegemonia imperial.

Em 1807 e após o decretar do Bloqueio Continental, a Inglaterra encontrava-se ameaçada e sem aliados na Europa. Não parece lícito trabalhar sobre meras hipóteses. A História faz-se sobretudo, da análise dos factos e da documentação, mas também - e este aspecto tem sido ostensivamente negligenciado desde há mais de um século -, com o estudo comparado de eventos demonstrativos de tendências de políticas, situação económica e social dos Estados e doutrinas prosseguidas por estes. Desta forma, poderemos seguramente proceder a uma análise comparativa de situações ocorridas durante os conturbados anos de 1799-1807: a anexação do Piemonte e de Parma (1802), a ocupação de Viena (1805), de Berlim (1806), a anexação da Holanda e destituição da Casa de Orange (1806), a deposição dos Bourbon de Nápoles (1806) e a destruição da frota dinamarquesa e bombardeamento de Copenhaga pela armada britânica, como represália pelo alinhamento da Dinamarca com a França de Napoleão (1807).

Em Novembro de 1807, a barra do porto de Lisboa, já se encontrava bloqueada por uma poderosa frota britânica, onde os sinais de impaciência pela não clarificação da atitude do governo português - sempre confiante até ao fim na obtenção da manutenção de uma neutralidade negociada -, poderiam ter conduzido a um irreparável desenlace: a captura ou destruição da frota portuguesa e o consequente bombardeamento de Lisboa. Estas chegaram a ser opções ponderadas, no caso do prolongamento de uma já insuportável situação dúbia. Sabia-se da rápida aproximação do exército invasor de Junot e era urgente a concretização daquilo que fora acordado pela chamada Convenção Secreta luso-britânica (22 de Outubro de 1807) que indicava a transferência da família real e do governo para o Rio de Janeiro. Para os ingleses, era crucial a manutenção de um aliado no concerto dos Estados europeus, propiciador de um exemplo de sucesso face às ambições expansionistas da França.

Conhecemos bem os detalhes do embarque e ao longo de um século e meio, sobrevalorizaram-se os aspectos anedóticos que eram aliás, inevitáveis, devido às condições precárias do momento. No entanto, a alegada "fuga" - que jamais ocorreu -, faz--se de uma forma inédita em toda a História europeia: é todo um aparelho de Estado que embarca, a quase totalidade do tesouro e uma inquantificável quantidade de documentos, 60.000 livros da Biblioteca Real e bens sumptuários, enfim, uma sociedade inteira que se traslada para um território longe da rapina inimiga e que se exime também - talvez o aspecto mais relevante para a mentalidade da época -, ao vexame da capitulação. Seria bastante útil, procedermos ao completo levantamento e apreciação da reacção da ainda incipiente opinião pública dos diversos países europeus que, naquele momento de todas as incertezas e temores, decerto vislumbrou o bruxelear da chama de uma resistência à prepotência, latrocínio e violência a que os povos estavam submetidos. Foi na verdade, a primeira vez que Bonaparte não venceu e disso deu testemunho nas suas Memórias.

Muito mais tarde, decorridos cento e trinta anos, outros governos e soberanias imitariam, de uma forma ainda mais apressada e sobretudo, menos digna, o exemplo dado pelo Regente D. João, encontrando novos portos de abrigo onde se eximiram aos ditames do vencedor do momento. A rainha Guilhermina da Holanda e os reis Haakon, Pedro II e Jorge II da Noruega, Jugoslávia e Grécia, respectivamente, puderam organizar a resistência nacional à invasão nazi. A derrota militar foi apenas uma batalha perdida e possibilitaram com essas "fugas", o forjar de armas e exércitos que desafrontaram as suas nações. O Armistício francês de Junho de 1940, foi prenhe de consequências nefastas, das quais a França jamais se libertou e podemos legitimamente imaginar, como teria evoluído a II Guerra Mundial, no caso do governo francês não ter ido à Canossa indicada pela vencedora Wehrmacht.

Podemos apenas imaginar o que teria sucedido se Junot tivesse conseguido executar as ordens recebidas das mãos do seu imperador. O Regente e toda a sua família, conheceriam o mesmo destino dos Bourbon de Espanha, partindo coactos para um incerto exílio em França, onde uma abdicação era a hipótese mais provável. O Brasil tal como hoje o conhecemos, jamais existiria na sua grandeza territorial e talvez, até na sua estrutura e multiplicidade étnica. As ilhas atlânticas, seriam hoje, possíveis territórios da coroa britânica, à semelhança de Gibraltar. Embora a derrota final de Napoleão fosse inevitável - dada a relação de forças em presença e a hegemonia inglesa nos mares -, é lícito questionar, se Portugal não teria um destino semelhante ao da Noruega, Finlândia ou Polónia, que no Congresso de Viena, foram sacrificadas às razões do equilíbrio de poder na Europa e à política de simplificação do mapa e de compensações.

Pelo contrário, a declaração de guerra à França - assinada já pelo Regente na sua nova capital além-mar -, possibilitou a manutenção da legitimidade e existência do Estado como entidade soberana. O levantamento nacional, a organização de um exército que foi um instrumento precioso sob o comando de Wellington, garantiram a presença de Portugal na Grande Mesa do Congresso, ao lado da Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia, França e Espanha. Foi talvez, o momento áureo da velha aliança luso-britânica e do efectivo nascimento do Brasil como nação internacionalmente reconhecida, com o nome de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

O Regente D. João prestou um grande serviço ao país, e ao fazê-lo, criou uma segunda uma segunda Pátria que é também de todos nós. O Brasil, como diz aquele bem conhecido Fado Tropical, talvez ainda se ..."vai tornar num imenso Portugal"... É esta a nossa garantia de sobrevivência como cultura, língua e destino, que são ímpares na Europa. No passado sábado, estava - sei eu lá porquê? - hasteada uma bandeira brasileira na grande varanda do Palácio de S. Bento. Naquele momento de passeio por Lisboa, recordei agradecido, a decisão tomada numa hora de grande comoção nacional. Se pudesse ter visto a fachada do Parlamento, D. João VI teria sorrido com bonomia. A prudência e a memória eram duas das suas grandes qualidades. Saibamos aproveitar o precioso legado.

Carla Gomes disse...

Obrigado pela visita e rico conteúdo que aqui nos deixaste Nuno:)

Nuno Castelo-Branco disse...

Puxa, Carla, recebi hoje, 8 de Novembro, uma cópia da mensagem. Obrigado eu por teres publicado.