sábado, novembro 22, 2008

"Rua do Ácido Sulfúrico - Patrões e Operários: Um olhar sobre a CUF do Barreiro" de Jorge Morais

Morais, Jorge, Rua do Ácido Sulfúrico – Patrões e Operários: Um olhar sobre a CUF do Barreiro, Bizâncio, 2008.

Uma cidade dentro de uma cidade. Eis o que a CUF, a Companhia União Fabril, foi no Barreiro durante décadas de existência e convivência com o pólo citadino ali próximo.
Hoje, de regresso à CUF, restam “escombros e silêncio”. O que sobreviveu do movimento de gente e máquinas que dava vida a um dos maiores e mais significativos complexos industriais do Portugal da primeira metade e parte da segunda metade do século XX? O autor observa a extensão de “… vestígios desengonçados de estruturas metálicas, tubagens esventradas, caldeiras, fornos e carris roídos pela ferrugem, esqueletos machucados de armazéns, muretes em decomposição, portões entaipados por madeira podre. A erva cresceu em ramagens de mato e finca os seus pés no território deste deserto, reclamando espaço na desolação. Um vento absurdo silva por entre pilares esfiapados até à medula, tectos que sucumbem, frontispícios desdentados, mecanismos calcinados onde bamboleiam com sarcasmo teias de aranha. O céu escancara-se para aplicar uma luz cruel, cegante, sobre planaltos de cinzas, resíduos de um clamor que se extinguiu. Apenas restos de lancis sugerem que aqui houve ruas, vozes, gente. Pontuando os destroços, chaminés agonizam com a dignidade de gigantes lacónicos.”.

“Rua do Ácido Sulfúrico” é um estudo de vivo interesse sobre o percurso da CUF desde os seus primórdios (1907) até ao seu fim (1974).
Para além da ênfase dada ao trabalho meritório de Alfredo da Silva, o fundador, e seus descendentes, somos igualmente arrebatados pela força da maioria, daqueles que faziam da CUF um grupo de empresas com níveis de produtividade extraordinários, pautadas por um prestígio imaculado e por um conceito de cidade de trabalho que transformou a Companhia União Fabril no exemplo mais acabado de empresa que provia às necessidades não só laborais mas também pessoais dos seus trabalhadores.

Muitos viviam com as suas famílias no interior do complexo industrial, abasteciam-se na mercearia que lhes disponibilizava produtos mais baratos que no exterior, tinham uma assistência médica invejável, faziam parte do grupo cultural e recreativo, praticavam as mais diversas modalidades desportivas, sentiam-se parte de uma organização que reconhecia o valor do trabalho e fazia questão de o premiar devidamente.

Jorge Morais relata-nos o trajecto ascendente da CUF e a sua queda, mostra o legado positivo que permaneceu, sobretudo como modelo de como uma estrutura empresarial deve funcionar não só em termos organizacionais mas sobretudo ao nível do relacionamento com a massa trabalhadora.
O autor também realça o impacto negativo que a industrialização do Barreiro trouxe, nomeadamente, a qualidade do ar que se respirava nos tempos de pleno funcionamento da CUF não seria, evidentemente, a melhor. O progresso sempre teve um preço.

Trata-se de um capítulo pouco explorado e, consequentemente, pouco conhecido da nossa história do século XX que esta “Rua do Ácido Sulfúrico” vem enriquecer com imagens de progresso, engenho, trabalho que nada mais são que exemplares para os herdeiros dessa memória: Todos nós. Uma obra essencial.

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